Desde segunda-feira (20), vigora em pelo menos três cidades paulistas — Ilha Solteira, Itapura e Mirassol —, o toque de recolher para a juventude. Em Fernandópolis a lei já existe há quatro anos. Embora os detalhes das leis variem de acordo com a cidade, o princípio é o mesmo: jovens entre 13 e 18 anos estão proibidos de circularem à noite desacompanhados dos pais. O Vermelho entrevistou quatro juventudes partidárias para saber o que elas pensam sobre isso. Para elas, a medida é um atestado de incompetência do Estado.
Em Ilha Solteira e na vizinha Itapura, 20 horas e 30 minutos é o limite para estar na rua de quem tem até 12 anos. Os jovens entre 13 e 15 anos devem voltar para casa às 22 horas. Os que tiverem entre 15 e 17 anos podem ficar em locais públicos até às 23 horas. Menores de 16 anos também estão proibidos de frequentar lan houses. Em Mirassol e Fernandópolis, apenas quem tem mais de 18 anos pode permanecer nas ruas após as 23 horas.
As medidas se deram por determinação de juízes da Vara da Infância e da Juventude. A lei visa diminuir a violência envolvendo menores de 18 anos. Em Fernandópolis, onde há quatro anos acontece o toque de recolher, a polícia afirma uma redução de 60% no número de crimes envolvendo menores. Em Ilha Solteira, Itapura e Mirassol, o primeiro dia da lei levou sete jovens ao Conselho Tutelar para que fossem entregues aos seus pais.
Em entrevista ao Vermelho, lideranças da UJS (União da Juventude Socialista), da JPT (Juventude do PT), da JPPL (Juventude do Partido Pátria Livre) e da JPsol (Juventude do Psol) repudiaram as leis. Para eles, o presente do Brasil não merece repressão e cadeia, mas sim investimentos do Estado e mais políticas públicas de, para e com a juventude (PPJ).
Medida errada para um problema real
Para Marcelo Gavião, presidente da UJS, o discurso de privação do jovem de suas liberdades é a pior forma possível de combater a violência entre a juventude. “Na verdade, atesta uma tremenda incompetência do Estado. Mesmo que todos os pais quisessem reproduzir essas leis, eles não resolveriam o problema. A solução passa por mais investimentos em educação, emprego e infraestrutura no esporte e lazer para a juventude nas cidades”, defende.
“A juventude não é uma questão de segurança pública e o poder judiciário não deveria promover leis, já que isso é da responsabilidade do legislativo. Vamos entrar com uma representação no ministério público contra essas medidas que, no fundo, revelam um debate conservador, onde o jovem é visto como um problema social”, afirma Alessandra Dadona, secretária estadual da JPT. A JPT ainda promete realizar um ato nos próximos dias em Fernandópolis para protestar contras as leis.
O significado do toque de recolher é “uma forma de prisão tácita”, define Antonio Henrique da Silva, da comissão estadual da Juventude Pátria Livre. “Há tantas maneiras de se combater a violência, por quê adotar justo as que restringem as liberdades? Ao fazer isso, o Estado mostra que não tem força para resolver os problemas da juventude. Somos contra essas leis e qualquer tipo de medida que atente contra o direito de ir e vir.”
Já Ana Morbach, coordenadora estadual da JPsol, acredita que as medidas estão em desacordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). “A medida é errada para um problema real. Agora, como proteger a juventude se o toque de recolher a oprime? O combate à violência não pode se apegar apenas a números, é preciso pensar também na formação dos jovens. Imagina se essa onda pega? Como será a formação de uma geração proibida de ter vida social noturna?”, questiona.
Toque de recolher é ilegal
“A intenção foi envolver toda a sociedade para que os jovens voltassem a dormir cedo. Para que pudessem ter um bom rendimento escolar no dia seguinte”, defende o pioneiro do toque de recolher, Fernando Antonio de Lima, juiz da Infância e da Juventude de Fernandópolis. Ele conta que o livro de “Eclesiastes”, da Bíblia, foi sua inspiração para a decisão judicial. ''Um cavalo indômito torna-se intratável. A criança entregue a si mesma torna-se temerária”, sustenta.
No entanto, o especialista em direito da criança e do adolescente, Ricardo Cabezon, não vê nada de “divino” na lei do juiz. Segundo ele, o toque de recolher é abusivo e fere liberdades constitucionais. “As medidas ferem a liberdade de ir e vir, liberdade de educar, liberdade de poder escolher entre o que é certo e o que é errado”, defende Ricardo, que também é presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo).
Enquanto a polêmica não se resolve, jovens seguem debatendo cara a cara com os juízes de suas cidades. “No final de semana eu tinha que sair, curtir um pouco, para aliviar a cabeça”, fala Ítalo Ferreira, de 17 anos, ao juiz Fernando Antonio de Lima. “Ficar até altas horas da noite, o que vocês ganham?”, retruca o juiz Lima. “Na verdade, não é questão de ganhar, é questão de lazer”, arrebata o garoto. Sem graça, o juiz responde: “em presença dos pais o lazer de vocês continua garantido.”
Por Carla Santos
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